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RESUMO: A Primeira Turma do STF deu sinal verde para a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, generais e outras figuras, tornando-os réus por suposta tentativa de golpe. Mas essa decisão, longe de ser um ponto final, abriu um mar de questionamentos sobre o processo legal, o acesso às provas, a imparcialidade e até comparações com casos passados. Vamos destrinchar os pontos mais polêmicos desse julgamento, desde vídeos controversos até a delação de Mauro Cid, passando pela detenção de um advogado em pleno STF.
Introdução: Falando a Real Sobre o Julgamento no STF
Pois é, gente, a notícia de que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro e uma galera de peso, incluindo generais como Braga Netto e Augusto Heleno, não pegou ninguém de surpresa, né? Era quase uma aposta certa. Mas, como em um jogo complexo onde a gente acha que entendeu as regras e, de repente, surge uma jogada inesperada, o “como” essa decisão foi tomada é que tá gerando um burburinho danado e levantando sobrancelhas por aí.
Os ministros falaram muito em “fatos” durante o julgamento. E é justamente olhando para alguns fatos – uns bem lembrados, outros nem tanto – que a gente começa a sentir um cheiro de queimado, ou pelo menos, a perceber que a história pode ser bem mais complexa e controversa do que parece à primeira vista. Vamos tentar entender juntos o que rolou, sem juridiquês complicado, como se estivéssemos batendo um papo mesmo, mas sem perder a seriedade que o assunto merece. Afinal, estamos falando do equilíbrio dos poderes, de direitos fundamentais e do futuro da nossa democracia.
O Passado Condena? Comparando Tratamentos e Penas
Uma das coisas que mais chamam a atenção quando a gente olha para o cenário atual é a sensação de “dois pesos, duas medidas”. É inevitável não comparar as acusações e as potenciais penas do caso do 8 de janeiro com outros eventos igualmente graves, ou até mais, que aconteceram no Brasil não faz tanto tempo assim.
O Caso Santiago Andrade: Uma Métrica Ignorada?
Lembram do cinegrafista Santiago Andrade, da Band? Em 2014, durante aquelas manifestações gigantes pelo país, um grupo conhecido como Black Blocs, que tinha como tática a violência para dispersar protestos e causar destruição, acabou tirando a vida dele com um rojão. Foi um choque nacional.
O julgamento dos responsáveis só aconteceu quase dez anos depois, em 2023. Nesse meio tempo, o período máximo que um dos acusados ficou preso preventivamente foi de 19 meses. Uma das pessoas foi absolvida e a outra, condenada a 12 anos em regime fechado por um ato que, motivado por discordância política (uma ação claramente antidemocrática), resultou em morte.
Agora, pausa pra pensar: 12 anos por assassinato. Enquanto isso, temos pessoas como a Débora, que admitiu ter pichado uma estátua (a da Justiça, em frente ao STF) com batom durante os atos de 8 de janeiro, recebendo uma condenação inicial de 14 anos. A conta parece não fechar, né? E tem mais: a defesa do condenado pela morte de Santiago entrou com recursos, e ele permaneceu em liberdade. Recentemente, em 2024, o Tribunal de Justiça do Rio reduziu a pena para 4 anos em regime aberto. A filha de Santiago resumiu o sentimento de muitos: “Tristeza”.
Essa discrepância brutal nas penas levanta uma questão incômoda: a Justiça está sendo aplicada de forma igual para todos, independentemente do espectro político ou da repercussão midiática do caso?
2017: Invasão e Fogo na Esplanada – Onde Estavam as Acusações Graves?
Vamos voltar um pouco mais no tempo, para 2017. Cerca de 45 mil pessoas, em plena semana útil, invadiram a Esplanada dos Ministérios. Não foi um protesto pacífico: houve quebra-quebra, prédios foram incendiados com funcionários dentro, e todos os ministérios tiveram que ser evacuados às pressas. O grito era “Fora Temer”.
A cena foi de caos e violência explícita contra as sedes dos poderes. No entanto, ninguém, absolutamente ninguém envolvido nesse episódio, foi acusado formalmente de “tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, um dos crimes centrais imputados aos envolvidos no 8 de janeiro. Por que a diferença de tratamento para atos que, em sua essência de ataque às instituições, parecem ter similaridades inegáveis?
Até mesmo editoriais de grandes jornais na época, como a Folha de S.Paulo, pediam repressão mais dura contra os “baderneiros”, temendo que o país fosse tomado. Curiosamente, figuras que hoje criticam duramente o 8 de janeiro, na época defendiam os manifestantes de 2017, argumentando que a culpa por eventuais excessos repressivos seria do Estado, não dos “fanáticos da violência”. Uma inversão de papéis e argumentos que hoje soa, no mínimo, irônica.
A Retórica e a Realidade: Mortes, Ditaduras e Condenações
Durante o julgamento recente, a ministra Cármen Lúcia fez um discurso forte, afirmando que “ditadura mata” e que, felizmente, ninguém havia morrido no STF, Planalto ou Congresso no dia 8 de janeiro. É uma afirmação poderosa sobre os horrores de regimes autoritários.
Contudo, a realidade pós-8 de janeiro também trouxe uma morte trágica: a de Cleriston Pereira da Cunha, conhecido como Clezão, que faleceu na Papuda após um mal súbito, enquanto estava preso preventivamente pelos atos. Além disso, um idoso de 69 anos, condenado a 14 anos de prisão e lutando contra um câncer avançado, teve seu pedido de prisão domiciliar negado. Para alguém nessa condição, uma pena longa como essa soa quase como uma sentença de morte.
Enquanto isso, como vimos, os condenados pelo assassinato de Santiago Andrade não estão cumprindo pena em regime fechado. Essas situações, colocadas lado a lado, criam um contraste doloroso e alimentam a percepção de que a Justiça pode, sim, ter pesos diferentes dependendo de quem está na balança.
O Protagonismo Questionado: Alexandre de Moraes Sob os Holofotes
Não dá para falar desse julgamento sem mencionar o ministro Alexandre de Moraes. Relator de vários inquéritos sensíveis, incluindo o das Fake News e o dos atos antidemocráticos, sua atuação tem sido central, mas também alvo de críticas contundentes, especialmente por parte das defesas.
“Milícias Digitais” vs. Desinformação Seletiva?
Moraes foi enfático ao afirmar que as “milícias digitais” continuam atuando para intimidar o Judiciário, distribuindo fake news e trechos editados de julgamentos. Ele garantiu que o STF não se intimidará.
O curioso, porém, é que uma das maiores polêmicas de desinformação durante o julgamento partiu, segundo críticos, do próprio ministro. Ao rebater argumentos da defesa, Moraes citou uma suposta fala de Donald Trump elogiando as urnas eletrônicas brasileiras. Acontece que a fala de Trump foi outra: ele comparou o sistema de identificação biométrica de eleitores do Brasil (e da Índia) com a simples autodeclaração nos EUA, na verdade, criticando a falta de um sistema de identificação mais robusto por lá e defendendo comprovantes em papel. Ele até deu uma “zoada” no sistema americano usando o Brasil como contraponto em outro aspecto (identificação).
Essa distorção foi rapidamente apontada, mas não impediu que parte da imprensa, como o jornal Valor Econômico, embarcasse na narrativa, publicando matérias que usavam a fala descontextualizada de Moraes para criticar Bolsonaro. Isso levanta a questão: quem define o que é fake news ou desinformação? E quem fiscaliza quem acusa? Aparentemente, a acusação de “milícia digital” parece ser direcionada apenas a um lado do espectro político.
A Prova Surpresa: O Vídeo que Não Estava nos Autos
Talvez o ponto mais sensível envolvendo a atuação do ministro relator tenha sido a exibição, durante seu voto, de um vídeo com cenas de violência do 8 de janeiro. O problema? As defesas alegaram imediatamente que esse vídeo específico não constava nos autos do processo aos quais tiveram acesso.
Isso é grave por vários motivos. Primeiro, contradiz a própria fala de Moraes no dia anterior. Ao rejeitar o pedido da defesa por acesso à integralidade das provas (a chamada “prova bruta”), ele havia argumentado que o Ministério Público só tinha usado elementos que já estavam nos autos e que as defesas conheciam. Ou seja, para negar o acesso amplo à defesa, o argumento foi que só o que estava no processo importava. Mas, no dia seguinte, o próprio juiz relator usa um material externo para reforçar a acusação?
Como bem apontou o advogado Hélio Viterbo, cria-se uma situação esdrúxula: a defesa não pode ter acesso a todas as provas brutas (que poderiam conter algo a seu favor) antes da denúncia ser aceita, mas o juiz pode usar uma prova de fora dos autos para justificar o recebimento dessa mesma denúncia. Fica parecendo que a regra muda dependendo de quem se beneficia dela. Isso arranha, e muito, o princípio do devido processo legal e da paridade de armas entre acusação e defesa.
A Defesa Amordaçada? O Acesso Negado às Provas Brutas
Esse ponto do acesso às provas foi, talvez, o mais martelado pelas defesas durante as sustentações orais. Advogados como o do General Heleno foram claríssimos: eles não tiveram acesso à íntegra do material apreendido (pen drives, celulares, documentos), apenas a “informes de polícia judicial”.
O que são esses informes? Basicamente, são resumos e análises feitos pela própria polícia sobre o material encontrado. A defesa argumenta que isso é insuficiente e perigoso. Como confiar cegamente na interpretação da autoridade policial, que é parte da investigação e, naturalmente, tem um viés acusatório? Como saber se não há, no material bruto não apresentado, informações que poderiam inocentar o cliente ou contextualizar uma mensagem de forma diferente?
A defesa do General Braga Netto foi na mesma linha: “Eu não sei o conteúdo do computador do general. Eu não tenho acesso às mensagens de telefone. Como é que eu posso exercer a defesa?”. A sensação transmitida foi a de que a Polícia Federal selecionou os “melhores momentos” para a acusação, e a defesa ficou impedida de fazer o mesmo ou de contestar a seleção.
A resposta de alguns ministros a essa questão foi, no mínimo, surpreendente. Ao invés de garantir o acesso amplo antes de decidir sobre o recebimento da denúncia, eles elogiaram a “altíssima qualidade” das peças de defesa apresentadas, usando isso como… prova de que o acesso foi suficiente! É como dizer: “Você correu a maratona descalço e chegou em décimo? Parabéns, isso prova que tênis não era necessário!”. Parece uma lógica um tanto torta para algo tão fundamental quanto o direito de defesa.
O ministro Cristiano Zanin, que como advogado de Lula na Lava Jato tanto lutou contra o cerceamento de defesa, adotou uma postura que decepcionou muitos: concordou que a defesa tem direito ao acesso, sim, mas só depois que a denúncia for recebida. Antes disso, segundo ele, “não temos processo”. Para as defesas, isso soa como fechar a porta depois que o ladrão já entrou. A oportunidade de evitar que alguém se torne réu injustamente se perde.
O Contraponto Visual: Os Outros Vídeos do 8 de Janeiro
A exibição do vídeo violento por Moraes pareceu ter um objetivo claro: reforçar a narrativa de que todos ali eram vândalos perigosos, talvez para contrapor a crescente comoção com casos como o da Débora ou dos idosos condenados a penas altíssimas. Afinal, a repercussão negativa das penas consideradas desproporcionais estava crescendo, a ponto do ministro Fux sinalizar a necessidade de rever a dosimetria.
No entanto, a internet está aí para mostrar que o 8 de janeiro não foi um bloco monolítico de violência. Existem inúmeros outros vídeos, raramente exibidos na grande mídia, que mostram um cenário diferente:
- Pessoas pedindo calma, gritando “não quebra!”.
- Manifestantes limpando sujeira deixada para trás.
- Grupos formando cordões para proteger o patrimônio público.
- Gente idosa, claramente sem qualquer capacidade de “abolir o Estado Democrático de Direito” pela força.
E há o vídeo do depoimento da própria Débora, a moça da pichação com batom. Emocionada, ela se diz uma “cidadã do bem”, que foi a Brasília pela primeira vez, tirava fotos dos prédios bonitos e acabou sendo induzida por um desconhecido a completar a frase na estátua, sem ter noção do valor simbólico ou financeiro daquilo. Ela chora ao falar da falta dos filhos e pede compaixão.
Independentemente de se acreditar ou não na versão dela, o ponto é: o vídeo exibido por Moraes conta apenas uma parte da história. Ignorar as outras facetas, as nuances e as histórias individuais – algo que a falta de individualização das condutas nos julgamentos anteriores já vinha fazendo – é problemático. E usar um vídeo externo aos autos para pintar todos com o mesmo pincel da violência parece ser mais uma tentativa de simplificar uma realidade complexa em favor da narrativa acusatória.
Mauro Cid: A Delação que Divide Opiniões (e Ministros)
A colaboração premiada do Tenente-Coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, é outro elemento central e controverso dessa trama. A PGR baseou boa parte da denúncia nas informações fornecidas por ele. No entanto, a própria aceitação e o uso dessa delação geraram desconforto visível até mesmo entre os ministros.
Dúvidas na Corte: A Aceitação Condicional da Delação
Enquanto Moraes e Flávio Dino pareceram bancar a delação sem grandes ressalvas neste momento, outros ministros como Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin (novamente ele, com seu histórico envolvendo delatores na Lava Jato) demonstraram mais cautela. A postura deles foi algo como: “Ok, vamos aceitar a denúncia incluindo a delação por ora, mas reservamos o direito de analisar a validade e o peso dessa colaboração mais à frente, durante o processo”.
Essa hesitação é significativa. Se os próprios julgadores têm dúvidas sobre a robustez ou a forma como a delação foi obtida, por que a pressa em aceitar a denúncia baseada nela? Não seria mais prudente analisar essas questões antes de tornar todos réus? A impressão que fica é que a urgência em avançar com o caso, talvez de olho no calendário político (2026 tá logo ali!), se sobrepôs a uma análise mais detida.
O Que a PGR Omitiu? Contradições na Delação de Cid
E as dúvidas não parecem infundadas. Reportagens e análises posteriores apontaram supostas omissões e contradições entre o que Cid de fato disse em seus depoimentos e o que a PGR afirmou na denúncia, usando a delação como base. Alguns exemplos que vieram à tona:
- Plano de Prisão de Moraes: A PGR afirmou que Bolsonaro “sabia e concordou” com um suposto plano para prender Alexandre de Moraes. No entanto, na delação, Cid teria dito categoricamente que não sabia se Bolsonaro tinha conhecimento disso.
- Monitoramento de Moraes: A PGR usou a delação para dizer que Bolsonaro ordenou o monitoramento de Moraes, dando a entender que era parte do plano de prisão. Cid, porém, teria explicado que o monitoramento foi para verificar uma informação recebida de que o então vice-presidente, General Mourão, estaria se encontrando secretamente com o ministro – um contexto bem diferente, que teria sido omitido pela PGR.
- Reunião do Golpe: A denúncia cita uma reunião com militares como parte da trama golpista. Cid, na delação, teria contextualizado a reunião como um encontro para discutir a insatisfação geral no país após a derrota de Bolsonaro, algo que “todos estavam falando na época”, e não necessariamente para tramar um golpe.
- Operação de 15 de Dezembro: A PGR citou mensagens para sustentar que Cid recebia atualizações sobre uma suposta operação golpista. Cid teria dito que, naquele dia específico, nem sequer falou com o militar em questão, pois estava em área rural com a filha e sem sinal.
Essas aparentes discrepâncias são sérias. Se a acusação seleciona apenas trechos da delação que corroboram sua tese, omitindo partes que a contradizem ou contextualizam, a integridade da prova fica comprometida.
Pressão e Coerção? Os Bastidores da Colaboração
Soma-se a isso a sombra da coação. Lembra daquele áudio vazado em que Cid desabafa, dizendo que os investigadores já tinham uma “narrativa pronta” e que ele basicamente tinha que concordar? Além disso, há toda a história de como a delação surgiu: após meses preso, a PF abriu investigação sobre o caso das joias recebidas por Bolsonaro, envolvendo o pai de Cid. A percepção de muitos é que a ameaça velada de prender não só ele, mas também o pai, a esposa e até a filha (por questões relacionadas a cartões de vacina), foi o fator decisivo para que ele “colaborasse”.
Recentemente, o TCU deu um parecer dizendo que presentes recebidos por presidentes, independentemente do valor, pertencem a eles até que haja legislação específica. Ou seja, o caso das joias, que pode ter sido o estopim para pressionar Cid, talvez nem configure crime.
Uma delação obtida sob forte pressão, com indícios de omissões e contradições em seu uso pela acusação… No “mundo normal” do direito, como disse a fonte original, isso seria motivo para invalidá-la ou, no mínimo, olhá-la com extrema desconfiança. Mas no contexto atual, tudo parece possível.
“Pesca Probatória” ou Investigação Legítima? A Expansão do Inquérito
Outro argumento forte das defesas foi a alegação de “fishing expedition” ou “pesca probatória”. Esse termo jurídico se refere a uma prática considerada ilegal: quando uma investigação começa com um objetivo específico, mas depois se expande indefinidamente, “pescando” qualquer informação sobre a vida do investigado na esperança de encontrar alguma coisa que possa incriminá-lo, mesmo que não tenha relação com o fato original.
Da Live de 2021 ao Suposto Golpe: A Trajetória da Investigação
A defesa de Bolsonaro traçou uma cronologia para sustentar essa tese:
- A investigação original (Inquérito 4874) começou focada em uma live de Bolsonaro de agosto de 2021, sobre as urnas eletrônicas.
- Autorizou-se a quebra da nuvem de dados de Mauro Cid.
- A partir daí, a investigação se desviou para outros temas: cartão corporativo, gastos da primeira-dama, supostas fraudes em vacinas (Inquérito 4921, que levou à prisão de Cid).
- Só depois da prisão e da delação de Cid é que o foco se voltou para a suposta trama golpista, resultando em novas buscas e apreensões e, finalmente, na denúncia atual.
Para a defesa, isso configura uma clara “pesca probatória”: mirou-se em Bolsonaro e Cid e foi-se vasculhando tudo, por anos, até achar algo que colasse, usando a prisão e a pressão sobre Cid como ferramentas.
A Negação de Moraes: Justificando a Ampliação
Alexandre de Moraes, claro, rejeitou veementemente essa alegação. Ele argumentou que a investigação sempre teve um fio condutor: apurar a existência de “milícias digitais” que atentavam contra o Estado Democrático de Direito e a independência dos poderes. Segundo ele, as descobertas foram desdobramentos naturais dessa investigação inicial, e não uma “pesca” aleatória.
Ele definiu a pesca probatória como investigar uma pessoa (e não fatos) sem método, de forma aleatória, sem supervisão do Ministério Público ou do Judiciário. E aqui ele fez um ajuste interessante: inicialmente disse que na pesca não haveria MP junto, mas como o Inquérito das Fake News (a origem de tudo) foi aberto de ofício pelo próprio STF e contestado por PGRs anteriores (Raquel Dodge e Augusto Aras), ele emendou dizendo que a supervisão do Judiciário (no caso, ele mesmo) já afastaria a característica de pesca probatória. Ou seja: se ele está supervisionando, não é pesca.
Seis Anos de Inquérito: Um Legado Controverso
O fato é que o Inquérito das Fake News já dura seis anos. O que começou com ofensas a ministros se expandiu para “atos antidemocráticos”, “milícias digitais”, “desordem informacional”, vacinas, joias e agora tentativa de golpe. Para os críticos, essa longevidade e amplitude, combinadas com a percepção de que as medidas mais duras (prisões, quebras de sigilo, censura, multas) atingem majoritariamente um lado do espectro ideológico, reforçam a suspeita de que não se trata de uma investigação comum, mas de um instrumento de contenção política. Moraes nega, a defesa acusa, e a controvérsia permanece.
Um Advogado Detido: O Clímax do “Espetáculo”?
Para coroar um julgamento já tenso e repleto de momentos controversos, tivemos um episódio no mínimo bizarro: a detenção do advogado Sebastião Coelho dentro das dependências do STF. Dr. Sebastião, que atuava na defesa de um dos acusados (o coronel da reserva do Exército Bernardo Romão Corrêa Netto), foi impedido de acessar a sala de julgamento e, posteriormente, detido pela Polícia Judicial, tendo seu celular apreendido.
Segundo relatos, a ordem teria partido diretamente do ministro Alexandre de Moraes. O advogado só foi liberado e teve o celular devolvido após exigir a presença de um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Dois pontos saltam aos olhos:
- Como advogado constituído no caso, Dr. Sebastião teria o direito não só de estar presente, mas até de levantar questões de ordem durante a sessão. Sua ausência forçada levanta suspeitas sobre a intenção de evitar possíveis contestações ao vivo.
- Dr. Sebastião ficou conhecido por, em outra ocasião, ter dito na cara dos ministros do STF que eles eram “as pessoas mais odiadas do Brasil”. Teria sido uma retaliação?
A OAB, que historicamente é (ou deveria ser) a defensora intransigente das prerrogativas da advocacia, soltou uma nota protocolar dizendo que acompanharia o caso. A reação tímida gerou críticas: imagina se um advogado ligado a movimentos de esquerda fosse detido dessa forma em pleno Supremo? O barulho provavelmente seria ensurdecedor.
Esse episódio, para muitos, foi a gota d’água que transformou um julgamento já questionável em um verdadeiro “espetáculo” de demonstração de poder, onde até mesmo as garantias de defesa parecem ter sido relativizadas.
E Agora? O Futuro Incerto e o Papel de Fux
Com a denúncia aceita por unanimidade na Primeira Turma, o processo agora segue. Bolsonaro, os generais e os demais se tornam réus e terão que apresentar suas defesas formais. Mas um comentário do ministro Luiz Fux durante o julgamento acendeu uma pequena luz de esperança (ou seria apenas uma porta de saída estratégica?) para os acusados.
Fux, o único juiz de carreira na turma, levantou a possibilidade de que, por não ter havido unanimidade em todos os pontos da denúncia (lembrem da hesitação sobre a delação de Cid), poderiam caber, no futuro, os chamados embargos infringentes. Esse tipo de recurso, quando cabível, permite que uma decisão de uma turma seja reanalisada pelo Plenário do STF (todos os ministros). Saiba mais sobre o que são embargos infringentes aqui.
Existem algumas interpretações para essa fala de Fux:
- Prudência de Juiz de Carreira: Ele estaria apenas sendo tecnicamente preciso, apontando uma possibilidade processual real, como um “adulto na sala”.
- Sinalização de Problemas Futuros: Ele poderia estar antevendo que a forma como o processo está sendo conduzido pode gerar nulidades lá na frente, e já estaria marcando sua posição de cautela.
- Criando uma Saída para a Corte: Talvez seja uma forma de deixar uma “válvula de escape” para que o próprio STF, no futuro, possa rever ou anular decisões tomadas agora, caso o clima político mude ou as críticas se tornem insustentáveis. Algo como: “Erramos, mas vejam, estamos corrigindo!”.
Qualquer que seja a intenção, a menção aos embargos infringentes é um dos poucos elementos que apontam para alguma possibilidade de reviravolta dentro do próprio Supremo.
Conclusão: Reflexões Finais e o Convite ao Debate
Chegamos ao fim (por ora) dessa análise. O que fica claro é que o recebimento da denúncia contra Bolsonaro e seus aliados está longe de ser um episódio simples de aplicação da lei. As comparações com casos passados, as dúvidas sobre o acesso às provas, a atuação controversa do ministro relator, a fragilidade da delação premiada e até a detenção de um advogado criam um quadro complexo e preocupante.
A sensação de que o devido processo legal pode estar sendo flexibilizado em nome de uma suposta “defesa da democracia” é palpável para muitos observadores. E quando a justiça parece ter dois pesos e duas medidas, a confiança nas instituições fica abalada.
Este artigo buscou trazer os diversos ângulos dessa história, com base nos relatos e análises disponíveis, para que você possa formar sua própria opinião. Não se trata de defender ou acusar ninguém a priori, mas de olhar criticamente para o processo e suas implicações.
E você, o que pensa sobre tudo isso? Acredita que a Justiça está sendo feita ou que estamos diante de um processo com vícios preocupantes? A atuação do STF te parece equilibrada? Deixe seu comentário abaixo, compartilhe suas dúvidas e sugestões. Vamos continuar essa conversa!
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A forma como lidarmos com essas questões hoje definirá os rumos da nossa justiça e da nossa democracia amanhã.
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